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TT: Brilho "Eterno" de Uma Mente sem Desapontamentos


(THROWBACK THURSDAYS: Toda quinta, uma resenha sobre um produto marcante da cultura pop de tempos atrás)

Dizem que cada século possui seu mal. Aquilo que o assola e perdura na vida das pessoas daquela época. E você sabe qual é a doença que se perpetua pelo nosso de acordo com certos estudiosos? Isso mesmo, é a depressão. A bad. Mais precisamente, vamos falar de um fator intimamente ligado ao fenômeno: O desapontamento.

Ele leva a depressão, ele acaba com seu sistema imunológico, ele fere relações, ele é inevitável e ele acontece com todo mundo. Todo mundo mesmo. E isso pode vir principalmente de quem mais importa pra nós.

Mas se você pudesse apagar todas as lembranças desse alguém que te machucou, você o faria?

Foi isso que Clementine (Kate Winslet) fez com Joel (Jim Carrey): procurou uma empresa

especializada em "apagar lembranças" e deletou definitivamente seu ex-amado. Joel tem,

talvez, a maior surpresa de sua vida quando recebe uma simples notificação de que foi

apagado da vida de seu amor e, num impulso, decide fazer o mesmo. Essa é a premissa de

Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (2004) , dirigido por Michel Gondry e um dos melhores filmes do conceituado roteirista Charlie Kaufman, conhecido por Quero Ser John Malkovich. A princípio pode parecer um pouco confuso (e talvez até seja), mas na medida em que a história se desenvolve você percebe que tudo vai se encaixando e, melhor, de uma forma pouco convencional e com um dedinho do destino.

Joel é aquele típico homem comum, preso dentro de sua rotina. Acorda no mesmo horário, faz

sempre o mesmo caminho, penteia o cabelo sempre do mesmo jeito, até que sua rotina é

totalmente bagunçada quando Clementine cruza seu caminho. Clementine é completamente o

oposto de Joel e, como muitas pessoas, ao tentar entender seu próprio estilo acaba tendo

vários. Muda a cor do cabelo conforme seu humor e não tem problema em puxar assunto com

um estranho que encontra no trem, diferente de Joel, que é tímido, fechado e evita socializar.

Ambos têm a vida marcada por relacionamentos fracassados e é aí que eles se cruzam,

alimentando a máxima de que os opostos se atraem.

Eles constroem um relacionamento muito bonito, cheio de lembranças agradáveis e planos

para um futuro onde um não vive sem o outro. Tem seus altos e baixos como todo

relacionamento e numa dessas baixas o fim é decretado. Nesse momento você pode imaginar

que é apenas mais uma comédia romântica, ledo engano. Depois de ser apagado de sua

amada, Joel se deixa levar pela emoção e acaba fazendo o mesmo procedimento. É nesse

ponto que o romance se transforma num drama e numa quase ficção científica. Ele vai

revivendo todo o seu relacionamento através das lembranças que estão sendo apagadas.

"Eu poderia morrer agora, estou tão feliz, nunca senti isso antes, estou exatamente onde

queria estar"; essa frase, dita por Joel, reverbera tanto que ele tenta desesperadamente "burlar

o sistema" e encaixar a amada em algum momento não vivido por ela, para que pudesse ter,

ao menos, uma vaga lembrança de como foi bom amá-la.

Não é uma viagem no tempo, mas com certeza tem muitas idas e vindas temporais e a melhor

forma de acompanhar isso, sem se perder no enredo, é observar as variações no cabelo da

Clementine. Em determinado momento seu cabelo está num tom muito vivo de vermelho,

representando uma paixão, em outro um vermelho desbotado, quase laranja, assim como sua

paixão que foi perdendo a cor, o verde de esperança praticamente sem brilho e finalmente um

azul representando a frieza dos seus sentimentos.

Se fora da tela Kaufman consegue o Oscar de Melhor Roteiro Original, dentro ele e Gondry conseguem que uma emocionante corrida contra o tempo, a saudade e o esquecimento seja contada de forma emocionante e com uma profundidade, literalmente, incrível. Você consegue sentir todos os dilemas dos personagens, suas paixões, suas alegrias e, por fim suas, angustias. Por falar nisso, é mais um filme que prova a versatilidade e profissionalismo dos dois protagonistas: A sempre excelente Winslet faz um papel completamente despido de qualquer característica anterior ou posteriormente atuada pela mesma, e nem precisamos dizer o quão assustador é ver Jim Carrey fazendo um filme de drama. E assustador de forma positiva. A química entre os dois, que para um desavisado pode parecer forçada, logo prende a atenção pelas idas e vindas tão reais, mesmo dentro de um filme que explora a subjetividade e a ficção.

Ian Craib, em seu livro A Importância do Desapontamento, se baseia nos trabalhos de Melanie Klein e Sigmund Freud para falar que culturas que promovem o fim do desapontamento acabam por gerar falsas expectativas de perfeição. Ou seja, mais desapontamento. Da mesma forma, o autor diz que isso impede a pessoa de alcançar a construção sadia da sua própria identidade. a companhia do filme não vende só o esquecimento no caso - vende uma "lobotomia". Mas o próprio fato de existir uma promoção de um mecanismo que anule os desapontamentos da vida amorosa faz com que essa sociedade se torne cada vez mais melancólica.

Para concluir, Eternal Sunshine of the Spotless Mind (no original) é um filme sobre o que todos nós fazemos um dia na vida, se não todo dia. O ser humano de hoje tenta a todo custo e de toda forma fugir do desapontamento, não importa seu custo. Porque é algo que predomina no seu dia-a-dia, e é instintivo do homem fugir da dor. É, literalmente, um impulso que leva Joel a esquecer Clementine. E o contrário também.

Mas o tema central do filme é justamente esse: O custo do desapontamento, da sua existência ou da sua anulação. Friedrich Nietzsche disse uma vez “A vantagem de ter péssima memória é divertir-se muitas vezes com as mesmas coisas boas como se fosse a primeira vez”. Mas até que ponto vale ter primeiras vezes novamente? Joel não queria mais aquelas primeiras vezes, ele precisava de outras primeiras vezes com ela e fez de tudo para garantir isso. Ele precisava sentir Clementine, mesmo que isso trouxesse seu desapontamento de volta. Ele precisava do desapontamento no fim. E agora lapido o questionamento inicial, se tudo o que você tem de valor são as suas memórias, se você soubesse que iria perder momentos marcantes e experiências que te fizeram crescer como humano, ainda assim você teria coragem de “apagar” todas as suas lembranças “apenas” para esquecer uma dor? E essa dor, não é o preço das experiências, dos sentimentos que você vivenciou e que construíram você? Essa pessoa que te entristeceu, realmente merece ser apagada? E se for, não apaga uma parte de você também?

Mas se você pudesse apagar todas as lembranças desse alguém que te machucou, você o faria, mesmo que você ame essa pessoa?


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