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A Dory pode até esquecer, mas a Pixar não


Desde o seu surgimento no mercado de filmes de animação, a Pixar se destaca não só como uma empresa, mas como uma caixa mágica. Antes mesmo do jeito Marvel de se lançar filmes e construir a expectativa do público pelos próximos lançamentos, a produtora foi pioneira em gravar na cabeça do povo que quando você abre essa caixa, você terá uma viagem memorável, cheia de emoções. Além de juntar vários gêneros e gostos, idades e públicos diferentes, cada obra possui muito mais valor do que é visto inicialmente. Não importa se for um filme sobre brinquedos, insetos, carros, superheróis, robôs ou peixes – os verdadeiros temas estão muito mais a fundo, e explorados de maneira delicada mas eficaz.

A companhia explora ao máximo a ideia de fazer filmes que comovem. Além disso, definiram toda uma geração, o que também é explorado pela estratégia (em grande parte de sucesso) de fazer continuações dos seus maiores sucessos. Toy Story 3, a continuação do primeiro filme feito pela casa de animação, me fez chorar copiosamente na sua conclusão, como se fechasse um ciclo que começou na minha infância ao assistir a primeira parte. E quando eu pensei que poderia ser diferente, Procurando Dory (Finding Dory, 2016) me fez exatamente o mesmo de novo.

Desde o seu anúncio, o surgimento do filme atraiu algumas opiniões surpreendentemente negativas do publico e da crítica especializada, seja pela não necessidade de uma continuação e da aparente capitalização envolvida, ou pela expectativa do fator Pixar – aquele que garante que todo filme feito pela produtora será uma obra prima ímpar digna de Oscar e que faz história, e que agrega temas tão profundos e íntimos que nos perguntamos se o alvo da empresa realmente é o público infantil. É aquele velho “a Pixar fez de novo” assim como quando lançou Divertida Mente (2015).

Bem, a Pixar fez de novo. Mas a maioria pode não ter percebido.

A continuação se movimenta em torno de um dos personagens quadjuvantes mais carismáticos dos anos 2000 – Dory, um ano depois das aventuras do primeiro filme, de repente se lembra de seus pais e como passou a vida procurando por eles. O sentimento da saudade em relação ao lar proposto por Marlin e Nemo faz com que ela se sinta obrigada a achar seus parentes, e assim voltar pra casa. O filme possui vários momentos que remetem direta e indiretamente ao original, mas de forma mais leve, alegre e colorida. Além disso, cai em duas fórmulas já bem exploradas pela empresa em outros produtos: o road movie e a dinâmica familiar.

Mas assim como todos os antecessores, o fator Pixar não é apenas sobre o que parece ser. Este não é só um filme sobre família.

O fato é que Procurando Dory é um filme sobre pessoas com necessidades especiais. O caso da deficiência da protagonista não só serve de motor principal para a trama, como também de ponto central de referencia a todos os personagens tangentes. Basta perceber: uma tubarão-baleia que possui problemas de vista, uma baleia beluga que não sabe se ecolocalizar como sua espécie, um leão marinho e um pássaro ambos com algum tipo de síndrome psicomotora.

Até a nadadeira com defeito de Nemo tem um pouco de atenção, numa jogada muito subjetiva, mas que todo mundo que assiste ao primeiro filme percebe que define o comportamento do personagem durante a narrativa. E mesmo aqueles que não tem uma doença física como os citados acima são tratados como vítimas de um trauma psicológico, como Marlin e sua ansiosidade, quase síndrome do pânico (mais uma vez, a trama do personagem é subjetivamente explicada pelo primeiro filme) e o rabugento polvo Hank, que prefere se excluir de todos do que se relacionar com os outros.

Durante os flashbacks de Dory, recurso muito bem aplicado para a construção da história, é quase impossível não se comover com o carinho dos pais da personagem principal pela sua filha ainda pequena. Aliás, essa dinâmica deixa claro que se existe uma mensagem principal para a trama do filme, é a de que não tem problema em ser quem você é, e que o amor de uma família é capaz de superar as diferenças e adversidades. Além é claro do proposto inicialmente, de que família é aquela que nós escolhemos e nos representam.

Ironicamente, a maior polêmica relacionada ao filme foi justamente sobre isso.

No lançamento de um dos vídeos promocionais do filme, houve uma reação negativa nas redes sociais a uma cena, onde aparece uma família de núcleo LGBT formada por um suposto casal lésbico e um bebê. Ao assistir a cena, que dura surpreendentes e significantes 5 segundos de trama, da mesma forma que não fica claro se é um casal ou mãe e filha, o suposto bebê não se encaixa na descrição. Mas o curioso é que faria completo sentido se encaixasse.

Apesar da falta de um anúncio oficial da Disney/Pixar sobre o assunto, ou uma resposta aos boicotes ao filme promovidos pela comunidade anti-LGTB pela internet, o caso só ajudou a promover o filme e aguçar a curiosidade das pessoas sobre aquele que poderia ser o primeiro casal homoafetivo numa animação da empresa. E se parar pra pensar, o melhor é que esse tenha sido o caso. Afinal, isso colabora para tudo aquilo que o filme passa como mensagem central: que a família é aquilo que seu coração sente, e as diferenças devem ser respeitadas e melhor incluídas na sociedade.

A primeira reação ao lançamento de uma nova animação da Pixar segue um padrão e possui expectativa previamente construída sobre a qualidade do produto. Mas para aqueles que dizem que a Pixar não é a mesma, eu discordo – os elementos estão todos aí. Até porque se o “fator Pixar” é abordar temas importantes de maturidade com eficiência e beleza em um filme leve e infantil, e promover a discussão sobre aspectos que não pensávamos antes de assistir, então está óbvio: a Pixar fez de novo.

Claro, assim como outras animações da casa, o filme não é perfeito. Mas qual seria a graça de um filme que fala sobre conviver com as diferenças e aceitar seus próprios defeitos se ele não tivesse nenhum?


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