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Será que a Matrix é melhor que a realidade?

(THROWBACK THURSDAYS: Toda quinta, uma resenha sobre um produto marcante da cultura pop de tempos atrás)

 

De todos os filmes que poderiam ser escolhidos para começar essa seção do blog, talvez The Matrix (1999) seja um dos mais significativos – e ao mesmo tempo, uma da escolhas mais óbvias. O filme é claramente uma das obras mais influentes e significativas para a cultura pop no século XXI: Foi o filme que redefiniu para toda uma geração a relação entre as pessoas e os computadores, tem uma legião de fãs apaixonados e até hoje promove discussões acaloradas sobre sua história (como essa aqui). Foi o filme que fez meu irmão se apaixonar por computação e escolher trabalhar com isso na vida (true story). E o filme que lançou a moda do óculos escuros e roupas de couro preta e fez todo mundo sonhar em andar assim no meio da cidade grande. Não, eu ainda não realizei esse sonho (...ainda).

Bullet Time: O efeito especial que consolidou Matrix entre as obras primas do cinema

Aliás, quem nunca tentou imitar a cena onde Neo (Keanu Reeves) desvia das balas?

Mas quando falamos sobre Matrix e suas teorias hoje, é muito fácil chegar num lugar comum, seja sobre o mundo dominado pelas máquinas com inteligência artificial, seja sobre a comparação entre Neo e Jesus Cristo. Isso foi propositalmente sugerido e inserido na história pelas criadoras, as irmãs Lilly e Lana Wachowski. Mas a discussão principal do filme talvez tenha perdido o foco: a distinção entre a realidade física e a virtual.

Não que ninguém lembre disso quando se fala sobre Matrix - até porque o filme é sobre isso. A saga de Neo no primeiro filme é justamente sobre entender o que é real e o que não é. Mas, mais do que isso , mais do que a dúvida sobre o que é a Matrix e o que é a realidade, o ponto onde quero chegar é sua discussão sobre quem ele é em relação à Matrix.

Mas antes disso, vamos falar sobre a criação do filme.

Lilly e Lana (na época Andy e Larry, respectivamente ) se inspiraram no sociólogo e filósofo Jean Baudrillard e sua obra, Simulacros e Simulação, para escrever sobre o conceito do filme - o livro chega a aparecer em uma das cenas no começo do filme, no apartamento de Neo.

Nele, Baudrillard afirma que nos tempos pós-modernos ocorrerá o "domínio do simulacro", onde o mundo real é substituído por uma versão virtual tão intensa que não se pode ser distinguida. Parece muito com Matrix, certo?

Bem, para Jean Baudrillard, não.

O sociólogo foi procurado após o sucesso do primeiro filme para colaborar na criação do roteiro das continuações, mas recusou o convite. Aliás, ele declarou abertamente em entrevistas que não gostou do resultado, que “Matrix é o filme sobre a Matrix que a própria seria capaz de fazer”, e que apesar de lisonjeado, aparentemente as Watchowski não souberam entender por completo sua obra. Será?

Vamos lá: A teoria de Baudrillard diz que a quantidade de informações no mundo real junto ao efeito negativo que é invocado por elas perdem o foco com a ascenção da tecnologia e da sociedade das imagens. As imagens – vamos chamar aqui de reprodução virtual – acabam sendo um filtro preciso da quantidade de informação a ser transmitida e de exibição apenas do que é positivo sobre o evento. O foco das experiências vividas e compartilhadas passa a se tornar a reprodução, e não o acontecido. Um exemplo claro? Quando uma pessoa vai comer algo fantástico, mas se preocupa mais em compartilhar no Instagram ou Snapchat. Ou quando vai malhar na academia, mas o processo não é legítimo se não tirar uma selfie na frente do espelho. E assim, como quem escolhe a pílula azul, somos atraídos e determinados pelas imagens que nos cercam.

Com toda essa fetichização da imagem, passamos a ser dominados pelas reproduções virtuais que nos envolvem – ou seja, nos tornamos aquilo que é mostrado sobre nós. Isso, para o sociólogo, vai acontecer repetidamente até que haja a morte do real físico, e consideremos o virtual como o verdadeiro real. E é justamente essa a crítica de Baudrillard sobre o filme: enquanto o filme poderia retratar de forma mais abrangente essa dinâmica entre real e virtual, ele faz disso uma batalha de bem contra o mal, preto e branco. Que se desmente por duas coisas

  1. O mundo real do filme é tido como a resposta certa para o dilema da pílula e a melhor maneira de viver, mas é desolado, sem recursos e nada atrativo – com a morte espreitando a todo segundo. Já na Matrix, claramente uma arma de manipulação das máquinas e a falsa ilusão que deve ser combatida, você pode projetar o tipo de imagem própria que sua mente faz de você. E ela pode se vestir de roupas de couro estilosas e andar de óculos escuros durante o dia e pular prédios, desviar balas e aprender todas as formas possíveis de artes marciais. Ou seja, nenhum dos lados é totalmente perfeito.

  2. Para o expectador, a jornada de Neo em encontrar o real acaba sendo um espetáculo de explosões, tiros e coreografias, onde o cara supostamente comum descobre ser o escolhido para livrar o mundo do mal e usar de seus poderes e amigos para destruir o domínio das máquinas e salvar a humanidade. Ou seja, mesmo que subconsciente, você termina o filme com a impressão de que tudo aquilo é “maneiro” (mais ou menos da mesma forma que os fãs de Jogos Vorazes que dizem que seu sonho é viver em Panem).

Ou seja, não só o enredo do filme, como o filme em si, acabam por exaltar a Matrix, o virtual e suas reproduções, como atrativo e bonito.

Você lembra do personagem Cypher, interpretado por Joe Pantoliano? Ele é um bom exemplo do efeito que Jean Baudrillard realmente fala em seu livro sobre o domínio do virtual. Em certa cena do filme, ao conversar com o Agente Smith (Hugo Weaving), ele diz:

“Sabe... sei que esse bife não existe. Sei que, quando o coloco na boca, a Matrix diz ao meu cérebro que ele é suculento e delicioso. Após nove anos, sabe o que percebi? A ignorância é uma bênção” **morde um pedaço do bife**

Mesmo tendo sido libertado da Matrix, ele negocia para voltar a ela e ter uma boa vida, porque a “realidade” que mais o interessa e acomoda é a virtual, muito mais atraente do que o caos do mundo físico. E para isso ele está disposto não só a trocar seus companheiros de equipe, mas sua própria liberdade. Ele escolheu a ilusão. E é exatamente o que Baudrillard prevê que acontecerá conosco.

Ou seja, será que se fossemos nós, seríamos assim tão diferentes de Cypher, mesmo querendo ser Neo? E seria Neo tão diferente de Cypher, quando ao final do filme ele entende que é o Escolhido e começa a manipular sua imagem na Matrix à sua própria vontade?

Você tem certeza que se fosse você, você escolheria a pílula vermelha?

 

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